COMPAIXÃO
Por
meses, quem sabe, no Rio Grande do Sul vamos comentar e chorar pela
tragédia que resultou na morte de mais de 200 jovens estudantes na boate
de Santa Maria. Tristemente, ela tem um nome que – a posteriori –
revelou-se fatal: KISS. O Dicionário A. Houaiss de inglês-português
traduz a palavra assim: beijo, ósculo, contato leve, suspiro. Só num
segundo momento, sugere: consolar, confortar com carinhos e beijos.
Adiante o dicionário anota: aceitar a perda, sucumbir, ser vencido,
prostrar-se, aceitar submissamente o castigo. Lá para o fim dos
diferentes usos do termo em outras expressões, o filólogo coloca:
acariciar com um beijo, entrar em contato leve.
À medida que
fui buscando informações desde segunda cedo, 28/01, sobre a tragédia de
Santa Maria, entre consternado, abalado como milhares de pessoas,
particularmente as famílias das vítimas, procurava compreender os fatos e
confesso que foi difícil. A imprensa cumpre o seu papel. Repete à
exaustão os motivos mais evidentes que provocaram a desgraça. Agora,
começa a focar o noticiário na urgente e necessária fiscalização de
casas noturnas, teatros e outros locais públicos que irão passar por
rigorosas inspeções. Isto é uma boa notícia, apesar de toda a tristeza e
do verdadeiro calvário por que passam as famílias que começaram a
sepultar filhas e filhos, enquanto outras aguardam vigilantes, exaustas,
mas cheias de fé e esperança, que os sobreviventes nos hospitais se
recuperem e possam, com o tempo, voltar à vida de estudos e sonhos.
Uma palavra, porém, me chamou especial atenção no artigo escrito por
Martha Medeiros, palavra que a invadiu desde a madrugada de domingo:
compaixão. É bom dizer logo que não se trata de pieguice, ter pena,
lamentar simplesmente. Compaixão é algo muito mais forte, profundo,
singular. Diz respeito à capacidade humana de se identificar com a dor
do outro e, na medida do possível, amenizá-la, participando de atos de
solidariedade, escutando a revolta de quem perdeu a filha querida,
abraçando as pessoas, compartilhando recursos sem segundas intenções,
dando a mão literalmente para que as pessoas atingidas não caiam
completamente prostradas.
Concordo com Martha Medeiros. Ela
encontrou uma joia no meio da tragédia, do fogo e da fumaça preta que
cegou os jovens, o ambiente, e lhes obrigou a inalar o beijo da morte.
Compaixão é um conceito bíblico central, que aparece de modo especial
nos profetas. Deus tem compaixão do seu povo. Ele o levanta do solo como
uma mãe ergue seu filho para lhe dar de mamar ou para protegê-lo
(Oséias). A compaixão é algo tão sagrado que no profeta Isaías se torna
um atributo exclusivo, em sua mais alta acepção, da ação de Deus para
com o ser humano.
Nesse momento em que tantas famílias sofrem
um luto desesperado, quase sem volta, como falar de esperança? Como
acompanhar estas pessoas de modo a respeitar sua dor, mas ao mesmo tempo
inspirar-lhes amor, carinho, esperança, verdadeiro consolo e conforto?
Como não sucumbir diante da desgraça?
Temos muito pela frente
nas próximas semanas. Esta dor provocada da forma mais absurda e –
deixem-me dizer – irresponsável ainda irá nos acompanhar por muitos
dias. Vamos precisar nos apoiar mutuamente, familiares, amigos, amigas,
sociedade civil, comunidades de fé, grupos voluntários. A meu ver, será
necessário exercitar a compaixão do modo mais terno, concreto e criativo
possível. Para que não venhamos a sucumbir como se tudo fosse um
castigo, de resto imerecido e brutal.
Texto: Prof. Dr. Roberto Zwetsch
Reflexão em torno do incidente que vitimou mais de 200 jovens em Santa
Maria/RS no último domingo. A divulgação do material é livre!
O texto é bem interessante. Destaco aqui as palavras "Nesse momento em que tantas famílias sofrem um luto desesperado, quase sem volta, como falar de esperança? Como acompanhar estas pessoas de modo a respeitar sua dor, mas ao mesmo tempo inspirar-lhes amor, carinho, esperança, verdadeiro consolo e conforto? Como não sucumbir diante da desgraça?" São perguntas profundas, que não tem resposta. Por que não há esperança. Não há o que explicar e, portanto, não há como acalentar os sofridos. É um profundo buraco que se abre sob nós, e nos traga com sua obscuridade.É a vez do silêncio tomar o lugar das palavras... Roberto Zwetsch escreve como um homem perplexo diante do absurdo, um homem leitor de Martha Medeiros ( ah! não fôra Martha, muitos homens teriam muito menos a escrever). Um texto simples, sem a pretensa sapiência pastoral, que, neste casos, é muita verborragia e pouca sabedoria, pois, diante do inescrutável, todas as vozes se calam. E daí, não há nada para se dizer, pois não há nada, nem ninguém para ouvir.
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