Cristian Sehnem - Pedagogo |
Acho que todo mundo
já sabe disso, mas sempre é bom reforçar: nem sempre eu sei quem cumprimentei
ou conversei. Especialmente quando estou na rua, em meio ao barulho de pessoas
e veículos sem fim. Talvez não seja assim com todos que não enxergam, mas
comigo acontece toda a hora. É complicado identificar alguém apenas pela voz
nessas circunstâncias.
Exemplo disso
aconteceu anteontem. Eu ia tranquilamente para o trabalho, a pé. De repente,
uma voz feminina:
- Oi!
Ela estava perto,
mas outras pessoas caminhavam próximo também. A voz não era estranha, mas
apenas num monossílabo é difícil ter certeza. Reduzi o passo levemente,
aguardei alguns segundos para ver se alguém respondia, nada. E se a outra
pessoa tivesse retribuído o cumprimento apenas com um gesto? Bom, para os meus
amigos eu peço que me cumprimentem falando o meu nome, para eu saber que é
comigo. E que digam o nome deles também, para facilitar.
- Ô Cristian, tá com
pressa?!
- Ah, desculpa,
achei que era para outra pessoa. Oi, tudo bem?
Abri um sorriso de
quem estava distraído mas eu ainda não sabia quem era ela. Meu processador
procurava rapidamente alguma voz que se encaixasse... seria a colega da
academia, uma gata aliás? Ou aquela moça que me atendeu na livraria ontem? Ah,
pode ser aquela que me ajudou a atravessar a rua dias atrás! Ou seria a guria
que faz caminhadas por essas horas e geralmente me cumprimenta?
- Tudo bem comigo. E contigo, também?
- Tudo bem comigo. E contigo, também?
Bom, pelo menos eu
agora sei que ela está parada na minha frente, que não lançou um oi e continuou
caminhando. Mas será que agora ela está estendendo a mão, ou é daquelas que dá
abraço, três beijos no rosto, etc e tal? Já perdi a conta das vezes que tentei
esconder a mão discretamente depois de estendê-la para o nada. Ou de ficar com
a cara de idiota esperando o terceiro beijo que não veio. Fiquei na minha, ela
acho que também.
- Também, tudo bem.
Só eu ainda não te...
- Tá indo para o
trabalho?
Sorrio. Ela já está
querendo engatar uma 3ª na conversa e eu ainda nem sei com quem estou falando.
Quem enxerga estaria há horas pensando cantadas e assuntos bacanas para
impressioná-la e eu tenho que ocupar esse tempo com o básico: descobrir quem é
a criatura. E ela até sabe que eu trabalho e, provavelmente, onde!
- É, to indo para o
trabalho. E você, TAM...
- E a tua irmã, tá
quase ganhando o nenê?
Ah não, calma aí
minha gente. Ela sabe o meu nome, que estou indo trabalhar, quem é a minha irmã
e que ela está grávida. E eu nem faço ideia de quem seja essa guria. Deixo de
sorrir pra ver se ela se manca mas respondo pra não ser mal educado:
- É, tá quase. Em
setembro chega aí o Teodoro. Mas, desculpe, quem...
- Então tá, manda um beijo pra ela. Tenho que ir agora, já estou super atrasada. Foi bom te ver, tchau!
Os passos dela já vão lá adiante. Nem retribuo o tchau pra ver se ela se toca. E sigo o caminho do trabalho, pensando naquele minuto que se multiplica na memória. Será que ela agora entendeu que eu não sei quem é?
- Então tá, manda um beijo pra ela. Tenho que ir agora, já estou super atrasada. Foi bom te ver, tchau!
Os passos dela já vão lá adiante. Nem retribuo o tchau pra ver se ela se toca. E sigo o caminho do trabalho, pensando naquele minuto que se multiplica na memória. Será que ela agora entendeu que eu não sei quem é?
No final de semana,
quando eu estiver com a minha irmã, vou repassar o beijo. De quem? Bom, de
alguém que sabia o meu nome, que eu estava indo trabalhar naquela hora, sabia o
teu nome e que você está grávida! Você faz ideia de quem seja?
Cristian
Sehnem – Pedagogo com deficiência visual
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