Abaixo colocamos a Prédica proferida. Homenageando todas as Ministras da nossa IECLB, e, de maneira especial, transmitindo nosso carinho a Colega Edna.
Culto pelos 30 anos de ordenação de
mulheres ao ministério na Igreja – Rio Claro, 11.11.12
Leituras: Salmo 119. 33-40
Prédica: 1ª Co 12. 12-27 Efésios 4. 1-7, 11-16
Prezada Comunidade!
Caros
irmãos, caríssimas irmãs!
O culto de hoje é um culto de
gratidão a Deus pelos 30 anos de ordenação de mulheres ao ministério na nossa
Igreja – a IECLB – a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. No dia
13 de Novembro de 1982, fui ordenada ao ministério pastoral e passei a ser a
primeira mulher ordenada ao ministério em nossa Igreja.
É importante esclarecer que não fui a
primeira mulher a estudar teologia. Antes de mim, outras já haviam feito o
curso de teologia na então Faculdade de Teologia. Tinham até concluído o estudo
de teologia, sem assumir um pastorado na Igreja. Quando iniciei os estudos de
Teologia, em 1973, havia quatro mulheres estudando. Comigo entraram mais três,
dobrando o número de mulheres estudando teologia, em 1973. E dessas oito, três
assumiram o ministério pastoral em Comunidades.
Também não fui a primeira mulher a
exercer o ministério pastoral em nossa Igreja. A Pastora Rita Marta Panke foi a
primeira. Ela assumiu seu primeiro pastorado em 1977 e eu, em 1978. Mas, fui a
primeira a ser ordenada. A pastora Rita foi ordenada alguns meses depois. Isso
assim aconteceu porque a prática da ordenação era diferente de como se realiza
hoje.
Como fui a primeira a ser ordenada, a
data da minha ordenação passou a ser o início da ordenação de mulheres na
IECLB. Ela aconteceu num culto numa pequena Comunidade de migrantes evangélicos
oriundos do Espírito Santo, do Paraná e de Santa Catarina, escondida meio da
floresta amazônica, em Rondônia. Certamente a pequena Comunidade de Colorado
D’Oeste não tinha a menor ideia de que estava participando desse fato
histórico. Nem eu tinha noção disso. Nem mesmo o coordenador das Novas Áreas de
Colonização, pastor Arteno Spellmeier, que foi encarregado pela presidência da
Igreja de celebrar minha ordenação, tinha. Oto, meu marido, e eu fomos
ordenados no mesmo culto e trabalhamos juntos em todas as paróquias em que
estivemos, enquanto isso foi possível.
Este nosso culto de gratidão a Deus,
portanto, não é apenas pela minha ordenação, mas pela ordenação de mulheres ao
ministério na Igreja. Precisamos expressar nossa gratidão pelo fato de mulheres
serem reconhecidas como capazes de participar, lado a lado com homens, na
missão de Deus neste mundo.
O início das mulheres no exercício do
ministério não se deu com uma política claramente elaborada pelos órgãos
decisórios da IECLB. Provavelmente, porque não havia mulheres exercendo o
ministério, talvez nem houvesse como planejar. Não se sabia como seria a reação
dos membros das comunidades!! Que problemas poderiam surgir? Talvez, nem todos
os que participavam dessas decisões, a princípio, estivessem convictos de que
as mulheres devessem ser admitidas ao ministério ordenado. Opositores,
certamente havia, sim. Mas, o fato é que mulheres começaram ser admitidas ao
estudo de teologia, no início numa porcentagem bem menor e controlada em
relação ao número de homens. Depois, foram assumindo o ministério pastoral em
comunidades, foram conquistando espaço, e abrindo espaço para mais mulheres, a
ponto de hoje estarem em grande número nos bancos das instituições que formam
ministros e ministras para os vários ministérios.
Se, mesmo tendo um início tímido, e
até de certa forma desarticulado, a participação das mulheres no ministério
ordenado cresceu, e chegou ao tamanho que tem hoje, em apenas trinta anos, é
porque tem sido conduzida pelas mãos de Deus. Se barreiras são derrubadas,
preconceitos são ultrapassados, dificuldades são enfrentadas e mulheres podem
ser capacitadas e aceitas para servir no ministério ordenado, isto só é
possível pela graça de Deus. Não é
apenas desejo das mulheres, mas é Deus que quer que mulheres respondam a sua
vocação e se preparem, se disponham, a servir no ministério ordenado. Esse é o verdadeiro motivo da nossa gratidão
no culto de hoje: Deus chama homens e mulheres para participar de sua missão
no exercício do ministério ordenado na IECLB.
Mulheres e homens tem vocação para o
ministério. Como alguém descobre que tem vocação para o ministério? Pode haver
muitas respostas para essa pergunta. Cada pessoa vai falar a partir de sua
experiência. Eu só posso responder a partir da minha convicção. E estou
convicta de que a vocação vai se formando na vivência da comunidade. A vocação
vai se concretizando na dinâmica da comunidade, desde a infância.
Com certeza, eu não consigo me
lembrar dos detalhes, das histórias que a Dona Vilma Stein contava quando eu ia
à escola dominical. Mas eu me lembro da maneira como ela contava, do sentimento
de que o que ela dizia era muito importante, e que eu deveria levar a sério.
Também não me lembro dos detalhes, de tudo que se fazia nas reuniões da
Mocidade, pode ser que outros se lembrem, eu não tenho essa memória. Mas eu me lembro de que, mesmo que a semana
tivesse sido cheia e cansativa, havia trabalho e estudo, mesmo assim, as
atividades da Mocidade eram prioridade. Além da reunião do sábado à noite, era
importante o culto dominical, elaborar o jornal da Mocidade, o piquenique em
Ferraz. Lembro-me do sentimento de pertencer à comunidade e, como grupo de
jovens, ter tarefas a realizar.
Creio que esse sentimento de
pertencer, de fazer parte e, portanto, ter algo a realizar, uma tarefa, esse sentimento,
vai nutrindo a vocação. Sem dúvida,
alguns fatos, alguns acontecimentos podem se tornar alimento mais sólido, ser
decisivos para o crescimento da vocação:
-
Nas aulas de ensino confirmatório, cantávamos muito o hino 201, era
quase o hino oficial. Não me lembro de que o pastor tenha falado sobre esse
hino alguma vez, mas ele foi marcante, tem sido até hoje. Enquanto, ó
Salvador, teu livro ler, meus olhos vem abrir, pois quero ver, da mera letra
além, o que, Senhor, nos revelaste em teu imenso amor. Esse
hino expressa a vontade de conhecer a palavra de Deus, ter os olhos abertos
para o que Deus revela não só à primeira vista, numa simples leitura, mas mais
profundamente, com mais conhecimento, mais informações. À beira-mar,
Jesus, partiste o pão, satisfazendo ali a multidão: da vida o pão és tu: vem,
pois, assim, nutrir-me até entrar no céu, enfim! Na
segunda estrofe, fala da grande revelação de Deus que é Jesus Cristo, o pão que
mata a fome da multidão, o alimento de que precisamos até o fim da vida. Um
hino curtinho, fácil e instigante. Acredito que o pastor não nos fazia cantar
sempre esse hino, à toa. Era como a leitura do Catecismo: tínhamos que repetir,
repetir e repetir, até entender.
-
O versículo da Confirmação, vocês se lembram do versículo da confirmação
da vocês? Ele certamente não foi
escolhido a esmo, foi escolhido para acompanhar vocês. Na minha confirmação, além da bênção de Deus para
assumir meu lugar como membro responsável na comunidade, eu recebi como um lema
para minha vida, o versículo de 1ª Tess. 5.21: “Examinem
tudo, fiquem com o que é bom...” Excelente conselho para uma pessoa jovem, não
é? É, não só para jovens, para adultos
e idosos também. Uma palavra
extremamente sábia e atual para os tempos em que vivemos. Com tanta oferta para
comprar, ideias para acreditar e valores para reproduzir, é preciso examinar
tudo muito bem para saber o que, de fato, é útil, necessário e valioso para
nossa vida.
“Examinem tudo, fiquem com o
que é bom...” como é que esse conselho está na
Bíblia? Era o que eu perguntava, não só sobre esse versículo, mas sobre muitas
outras coisas que o pastor Graetz ensinava. Certamente a sabedoria com que ele
orientava a Comunidade, sua profundidade e clareza teológica tiveram grande
influência sobre minha vontade de saber mais, de entender além da mera letra, o
que Deus quer de nós, o que ele quer que façamos com a vida que Ele nos dá.
Não tenho dúvidas de que a vivência de
comunidade, que relembrei em rápidas palavras, e em alguns aspectos, foi
decisiva para despertar meu interesse pelo estudo de teologia, que ampliou
minha visão de pastorado. É bem verdade que não é a comunidade que “cria” a
vocação em alguém. Deus é quem chama. O Espírito Santo de Deus é que vai
gestando a vocação na vivência da Comunidade. Mas a Comunidade precisa
proporcionar um ambiente favorável para isso. A comunidade precisa exercer
sua tarefa de ser instrumento de Deus na formação de novas vocações para o
ministério, sempre. A comunidade precisa exercer sua vocação, da maneira
como o apóstolo Paulo coloca, de forma simples e clara, na carta que ele
escreveu para a Comunidade de Corinto, na 1ª carta, capítulo 12, vers. 12 a
27: (LER O TEXTO)
“Cristo é como um corpo, o qual
tem muitas partes. E todas as partes, mesmo sendo muitas, formam um só corpo.
... Pois bem, vocês são o corpo de
Cristo, e cada um é uma parte desse corpo.” (v.12, 13, 27). Se nós temos dúvidas sobre como nós
devemos ser como comunidade cristã, podemos ler, sempre de novo, essas palavras
do apóstolo Paulo. Podemos também ler suas palavras aos Efésios, no capítulo 4,
1-16, uma das leituras que ouvimos e, com esses dois textos, nos reorientar
constantemente. A vocação da comunidade é ser como um corpo, onde todas as
partes são importantes. Um corpo, onde o
cabeça é Cristo.
“Assim Deus colocou cada parte
diferente do corpo como ele quis.”
(v.18). E é verdade mesmo. Vocês já
pensaram na importância dos cílios? Eles não foram feitos apenas pra receber
maquiagem, não. Eles têm a importantíssima função de filtrar as impurezas. Sem
os cílios, nossos olhos estariam muito mais expostos a irritações. Partes tão
pequeninas, os cílios tem uma função importante no corpo todo, mesmo que a
gente nem se dê conta deles. Da mesma
forma como uma parte do corpo desempenha sua importante função sem ser notada,
o inverso também pode acontecer. Pode acontecer que um dedo cresça demais e
deixe o corpo anômalo. Um dedo crescido demais pode até atrapalhar a função dos
outros dedos. E se for um dedo do pé, então, o corpo poderá até ter
dificuldades para caminhar. Pode ainda
acontecer que um membro, uma parte do corpo, deixe de ser utilizada e então
atrofia, definha, perdendo sua função, fazendo com que o corpo sofra.
Nessas palavras aos coríntios, o
apóstolo Paulo deixa clara a importância e necessidade de que a
comunidade-corpo de Cristo funcione harmoniosamente. Cada parte
desempenhando sua função, para o bem do corpo todo. Com nenhuma parte se
sobressaindo e nenhuma parte sendo desprezada. Pois nesse funcionamento
harmonioso do corpo, as alegrias são festejadas por todas as partes e os
sofrimentos e as dores são carregadas e aliviadas, também por todas as partes.
Creio que o apóstolo Paulo não poderia ter colocado de forma melhor e simples,
como a comunidade-corpo de Cristo- que somos nós, deve procurar exercer sua
vocação neste mundo.
Antes afirmei que a Comunidade, cuja
vocação é funcionar como o corpo de Cristo, de forma harmoniosa, com todos os
membros igualmente importantes, cria o ambiente favorável para que o Espírito
Santo de Deus desperte e anime pessoas para o ministério ordenado na Igreja. Mas,
creio que podemos ir até um pouco mais longe. Creio que uma comunidade,
funcionando como o harmonioso corpo de Cristo pode criar o ambiente favorável
para que qualquer pessoa descubra que pode exercer sua profissão como
vocação. Toda profissão pode ser vivida como vocação quando ela é entendida
e realizada não apenas em busca do sustento, da remuneração seja maior ou
menor. Mas, exercida como um dom em favor da vida de pessoas, e
consequentemente, resposta a um chamado de Deus.
Quando pensamos em profissão como um
dom em favor da vida de outras pessoas, provavelmente logo pensamos em médicos,
enfermeiros, que lidam com a vida de pessoas muitas vezes em situações extremas
e delicadas. Mas, e um motorista de ônibus, ele também não tem a vida de pessoas
em suas mãos? Quando somos bem atendidos numa loja, numa repartição pública,
num banco, não nos sentimos bem, não sentimos que recebemos a atenção que
merecemos, nosso bem-estar não dependeu em alguns momentos de uma pessoa que
exerceu seu trabalho como um dom? Lixeiros, varredores de rua também não tem a
vida de pessoas em suas mãos? Eles não retiram de nossas casas e ruas muita
fonte de contaminação que pode por em perigo nossa vida? Sem falar do aspecto
físico, da melhor aparência que seu trabalho produz.
Seria muito interessante fazermos o
exercício de avaliar cada profissão sob o aspecto da vocação. Poderíamos
nos surpreender! Poderíamos passar a valorizar cada profissão não apenas pelo
que ela produz em termos financeiros, mas pela importância que tem para a vida
das pessoas. E, principalmente, cada um e cada uma de nós, que faz parte do
corpo de Cristo, não pode escapar de responder perante Deus, e para si mesmo,
se está exercendo sua profissão como vocação.
O ministério ordenado na Igreja,
hoje exercido por mulheres e homens, tem entre tantas outras, a tarefa muito
especial, e difícil, de orientar a comunidade -a Igreja- a viver como o
verdadeiro corpo de Cristo. Essa tarefa foi a mais difícil, mais
desafiadora, de muitas alegrias e também decepções, durante o meu exercício do
ministério pastoral. Uma tarefa que deve ser executada com autoridade, a
autoridade concedida pela Igreja que ordena ao ministério. Mas tarefa que
também deve ser realizada com humildade. A humildade de quem constantemente
precisa responder pela sua vocação. A humildade de quem sabe que está apenas a
serviço de Deus. Nós, ministras e ministros ordenados, precisamos ter
sempre a consciência que João Batista teve quando ele falou a respeito de
Jesus: “Ele tem de ficar cada vez mais importante, e eu, menos importante.” (João 3.30).
Caros irmãos e caríssimas irmãs!
Orem sempre pelas ministras e
ministros da Igreja para que sejam fiéis a sua vocação. Peçam a Deus que lhes
dê sabedoria e coragem para orientar, desafiar e até intimar a comunidade,
a Igreja, a ser sempre verdadeiro corpo de Cristo neste mundo. Porque esta é a
vontade de Deus. Amém!
Linda pregação, vinda de uma admirável Pastora. Sinto-me plena de sentimentos de gratidão, saudades, compromissos com o presente-futuro...
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